Quando Hitler chegou ao poder em 1933, a jornalista Charlotte Beradt iniciou uma pesquisa secreta: entrevistou alemães para coletar sonhos relacionados às recentes mudanças políticas no país e à difusão do terror nazista em larga escala. O trabalho durou até 1939 e só veio à luz em 1966, neste livro em que os sonhos de trezentas pessoas ajudam a "interpretar a estrutura de uma realidade prestes a se tornar um pesadelo".
Assombrados por espectros dos líderes nazistas, como Hitler e Göring, os sonhos refletem — em chave ao mesmo tempo trágica e absurda — o medo que se disseminava no cotidiano da sociedade alemã e a angústia experimentada por indivíduos dilacerados entre o impulso premente da recusa ao nazismo e a suposta segurança conferida pela atitude conformista.
Em um dos relatos, uma mulher sonha que é presa por pensar em Hitler ao ouvir a palavra "diabo", o que só foi possível saber graças a uma máquina da polícia que lê pensamentos. Em outro, cartazes com as palavras "Deus" e "eu" são substituídos nas ruas porque ambas foram publicamente banidas. Medo, suspeita, culpa e terror espalham-se pelos sonhos coletados nas entrevistas conduzidas por Beradt, compondo um retrato humano do horror íntimo comumente vívido em tempos de grandes conflitos sociais.
Consciente do alto potencial subversivo do material que tinha em mãos, após completar as entrevistas, Charlotte Beradt tratou de enviá-las a diferentes correspondentes fora do território alemão, e só pôde reunir o material em seu exílio nos Estados Unidos anos depois, momento em que estreitou laços com leitores confiáveis como Hannah Arendt, de quem se tornaria amiga e tradutora.
Um registro histórico excepcional do século 20, indispensável para compreender a psicodinâmica da dominação fascista, e, ao mesmo tempo, um belo retrato da subjetividade humana em meio ao terror, esta reedição de Sonhos no Terceiro Reich conta com dois novos posfácios, além do texto de apresentação de Christian Dunker atualizado.